Ferréz:
Dando continuidade a segunda parte da nossa matéria sobre bibliografias, e em especial bibliografias escritas por pessoas relevantes inseridas no rap nacional, quero trazer para vocês hoje um “monstro” da “Literatura Marginal“, estou falando sobre o Ferréz.
Para quem não o conhece, Ferréz é o nome artístico de Reginaldo Ferreira da Silva, seu currículo é longo pois ele é um romancista, contista, poeta e empreendedor brasileiro. Ferréz costuma utilizar em suas obras a chamada “literatura marginal”, por ser desenvolvida na periferia das grandes cidades e tratar de temas relacionados a este universo. Dotado de linguagem influenciada pela variante linguística usada na periferia de São Paulo.
Ferréz já publicou diversos livros, entre eles ‘Fortaleza da Desilusão’ de (1997), ‘Capão Pecado‘ (2001), ‘Amanhecer Esmeralda‘ (2005), ‘Ninguém É Inocente em São Paulo‘ (2006), ‘Deus foi almoçar‘ de (2012) e ‘Os ricos também morrem‘ lançado em 2015.
Ferréz também é fundador do 1DaSul, grupo interessado em promover eventos e ações culturais na região do Capão Redondo, ligados ao movimento hip hop. A Ong Interferência que trabalha com crianças da Zona Sul e fundou o Selo Povo, editora independente. Também possui um programa na TV 247 chamado “Ferréz em construção” onde entrevista pessoas para comentar sobre cultura. Em junho de 2019 anunciou uma parceria com o YouTuber Thiago Ferreira, do canal Comix Zone, para criar uma editora de quadrinhos homônima.
Vou lhes apresentar alguns livros deste grande escritor brasileiro no qual tive a honra de conhece-lo pessoalmente, que sem exceção nenhuma devem ser lidos e propagados pelos quatro cantos do mundo literário.
01. FORTALEZA DA DESILUSÃO – 1997
Livro de 1997 é o primeiro trabalho publicado pelo escritor Ferréz, conhecido pelos romances Capão Pecado e Manual prático do ódio. Na época o autor vendia os livros de mão em mão.
02. CAPÃO PECADO – 2000
O personagem Rael é honesto, gosta de ler e faz planos para melhorar de vida por meio do trabalho. Seus melhores amigos não são assim tão ‘certinhos’ – alguns usam drogas, outros roubam motos, outros matam por dinheiro.
O que eles têm em comum? A miséria em que vivem, a juventude, a vontade de se divertir e a revolta contra tudo que torna a vida deles ainda mais difícil – a truculência dos policiais que interrompem festas na base da porrada, o assassinato de parentes e colegas pelos motivos mais tolos, a eterna rixa entre os ‘playbas’ e o pessoal da comunidade.
Ainda bem que para amenizar o sofrimento existe o sexo e o amor, como o que Rael sente por Paula. Mas no Capão todos sabem que pegar a mulher do próximo é a pior traição que se pode cometer, e Paula é namorada de Matcherros, amigo de Rael.
03. MANUAL PRÁTICO DO ÓDIO – 2003
Original e vertiginoso, com uma linguagem agressiva e contundente, o relato da vida de Lúcio Fé, Aninha, Régis, Celso Capeta e Neguinho da Mancha na Mão mostra a disseminação do ódio como o sentimento real de uma sociedade competitiva, levado às últimas consequências no contexto da periferia de São Paulo.
Manual prático do ódio incomoda e assume-se como uma possível arma contra o distanciamento social construído pela escravidão e pelo capitalismo. Escrito por quem conhece de perto os personagens e o ambiente em que eles circulam, o romance deixa claro que o autor fala do ponto de vista do sujeito pobre, formado pela cultura de massas, e, embora não compactue com o rancor social manifestado por seus personagens, tenta ao menos compreendê-lo.
04. AMANHECER ESMERALDA – 2004
A personagem Manhã é uma menina pobre e sonhadora, como tantas que moram nos bairros periféricos das grandes cidades. Sua família é tão carente que as vezes lhes falta o básico, o pão de cada dia.
Mas mesmo diante dos infortúnios há sempre um novo amanhã, e naquela sexta feira, o dia preferido das crianças que estudam, Manhã ganha um presente especial que muda sua percepção do mundo e de si mesma.
05. NINGUÉM É INOCENTE EM SÃO PAULO – 2006
Expoente da chamada literatura marginal o escritor paulista Ferréz revela neste livro de contos inéditos o cotidiano trágico patético e por vezes cômico da periferia. Usando a linguagem do gueto o autor constrói uma narrativa carregada de realidade crua e urgente. Ferréz escreve com conhecimento de causa. Assim como seus personagens ele é morador de um subúrbio de São Paulo e vive na pele a violência e a eterna desesperança dos que estão à margem da sociedade.
06. INIMIGOS NÃO MANDAM FLORES – 2006
A trama, em si, é bem básica. Assassino preso, vingança contra quem o jogou na cadeia, passa o tempo, missão concluída. Uma estrutura bem realista e sem sutilezas. Óbvia, inclusive, para os leitores habituais de HQ. Mas… Igordão? Este resenhista confessa que pensou se isso era nome de bandido, se nas ruas era comum imitarem a tradução do Austin Powers.
Mas não é a única ideia emprestada da história. O trecho em que Ferréz cita que, se a favela fosse mostrada de cabeça para baixo ninguém perceberia, é basicamente o texto-argumento de uma premiada campanha publicitária internacional que fala do descaso da sociedade com os menos favorecidos. As clássicas cusparadas em comidas de restaurantes (aqui uma rede de lanches fast-food) também já foram vistas em vários filmes.
A história, de certo modo, utiliza a moral do “aqui se faz, aqui se paga”. Mostra também o atual ciclo de impunidade e poder criminal. Mas não se aventura a mais do que um episódio isolado e pequeno, bem distante da grande história que ainda precisa ser contada, sobre o crescimento da marginalidade (marginal, aqui, no sentido de “colocado à margem”) no Brasil e, especificamente, em São Paulo. Fazer algo como MV Bill fez em seu documentário Falcão – Meninos do Tráfico. Ser menos pueril, enfim.
Vale destacar a falta de glamour heróico dos policiais. É revigorante vê-los como coadjuvantes, apesar dos clichês.
Quanto aos desenhos, De Mayo é um estreante e, apesar de toda a estética suja que aparentemente a trama necessita, o fato é que a arte não se sustenta sozinha. Se fosse em preto-e-branco, seria bastante inferior. Aliás, as cores não são creditadas. Podem ser do próprio ilustrador, mas não fica claro em nenhum momento.
Apesar de tudo, que fique claro: a HQ manda o seu recado: há um problema e ele pode nascer nas pequenas coisas. Ela não apresenta origens da criminalidade, mostra um item banal e, aí sim, talvez porque isso seja mesmo banal na vida atual das grandes cidades. Até demais.
Se as autoridades lessem, perceberiam que é hora de fazer alguma coisa. Este é um quadrinho para elas e para a sociedade que oprime: percebe-se pelo preço e pelo acabamento da edição que não é a periferia que precisa conhecer o que está contido na graphic novel.
07. CRONISTA DE UM TEMPO RUIM – 2009
Neste livro pode-se encontrar a crônica ‘sppcc’, que o escritor escreveu meses antes dos atentados cometidos pela facção criminosa. Assim como também a crônica ‘Meu Dia na Guerra’, que, além de narrar os fatos após os atentados, denuncia as dezenas de chacinas que vieram em seguida. Este livro contém textos publicados na revista Caros Amigos, Folha de S. Paulo, Le Monde Diplomatique Brasil, revista Trip, e Relatório da ONU.
08. DEUS FOI ALMOÇAR – 2011
Calixto é um homem comum, mas como tantos cidadãos ele acorda cedo para fazer parte do labirinto da vida cotidiana. À noite, volta para casa onde encontra sua mulheres e sua filhinha, nada mais normal. Mas não é disso que esta obra trata. Sem que ele queira, tudo começa a não fazer mais sentido. Calixto parece não saber como reagir, se é que quer fazer isso. Suas tentativas logo se mostram infelizes e sua conformação incomoda, embora ele tenha a sua frente um portal para mudar tudo.
09. O POTE MÁGICO – 2012
Um menino na periferia de São Paulo imagina poder encontrar um pote mágico. O enredo parece simples, mas, no entanto, é nessa aparente simplicidade que a narração de Ferréz emociona, revelando uma escrita sensível, delicada e absolutamente original. As ilustrações de Rodrigo Abrahim dão ainda mais vida a cada uma das páginas do livro, que intercalam – através do jogo de cores, formar e texturas – realidade e sonho.
10. OS RICOS TAMBÉM MORREM – 2015
Bolonha, Mauro Maurício, Nêgo Jaime, Júnior, Dona Néia e Sebastião são heróis e anti-heróis que Ferréz criou para histórias curtas que apresentou em palestras e saraus realizados nas periferias brasileiras e também em grandes festivais literários no Brasil e no exterior. Neste livro inédito, o escritor mais emblemático da chamada literatura marginal transforma estas breves histórias em contos. A linguagem ágil, próxima à do rap, transforma-se em literatura. Os “causos” urbanos do cotidiano rude das cidades compõem em ‘Os Ricos Também Morrem‘ um mosaico do Brasil real. Para os fãs da verve ácida, direta e reta desse autor reconhecido em todo o mundo, este livro dá o recado: as injustiças e a desesperança moram ao lado e não do outro lado do Atlântico.
Registro do meu encontro com Ferréz:
E para fechar essa lista de valor imensurável eu quero deixar como indicação, uma matéria bem legal que o Ferréz realizou em 2016, no qual a pauta, condiz em dizer: Quando a Periferia Esta no Centro – vale muito a pena conferir:
Abração galera, até a próxima.
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